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Existem lugares que por si só já valem uma viagem, aqueles poucos que, mesmo que não se veja mais nada, já justificam ir até lá. E Carcassone, a cidade medieval mais bem preservada da Europa é um destes lugares. Naquele ano fazíamos um roteiro de carro pelo sul da França, deixamos Toulouse para trás e após algumas horas de estrada, Regina adormeceu no banco ao meu lado. Quando estávamos chegando ao nosso destino, ela de repente acordou, olhou para o lado e ao longe viu grandes torres de aparência medieval. Emocionada empertigou-se toda no assento e exclamou: Olha só que lindo, um castelo enorme lá longe! Ao que eu respondi, mais emocionado ainda: Não é um castelo, é uma cidade. É Carcassone, e nós estamos quase chegando lá.

   

Já tínhamos visitado muitos castelos, mas nada, em aparência ou dimensões, chegava perto do que víamos à nossa frente. Carcassone é aquele lugar que muita gente só acredita que exista mesmo quando chega lá e vê por si mesmo. Ao mesmo tempo é também um daqueles lugares que, por mais que se descreva, e explique, e conte e fotografe, não se consegue passar a idéia do que ela é, e muito menos a sensação que temos ao chegar lá. À medida que a estrada dava voltas as torres sumiam e apareciam, cada vez mais próximas, fazendo nossa ansiedade e emoção também aumentarem cada vez mais. Era como se o passado distante estivesse surgindo à nossa frente, ou como se uma época que acreditávamos pertencer somente aos livros de história e aos filmes se materializasse frente aos nossos olhos, como num passe de mágica. Carcassone nos atraía como um ímã, e completamente fascinados, empolgados e sem palavras chegamos ao nosso hotel, situado a poucos metros da grande muralha externa. 


 

Era final de tarde e após fazer o registro na portaria, deixamos as coisas no quarto e saímos às pressas, quase correndo, na direção da cidadela medieval. Porque tanta pressa não sabíamos dizer, pois certamente Carcassone não iria sair de lá, nem sumir com o cair da noite, mas de alguma forma sentíamos que aquele era um lugar tão especial que nenhum minuto poderia ser desperdiçado, nem um instante poderia ser jogado fora. Todo o tempo de nossa permanência naquele lugar deveria ser dedicado a conhecer, explorar, vivenciar e, se possível, até mesmo perder-se entre as muralhas e vielas daquela cidade medieval.

Dez minutos depois já estávamos cruzando a ponte levadiça que dá acesso à parte interna das muralhas. Abaixo, um gramado verde (veja a imagem ao lado) cobria o que presumimos ter sido no passado um fosso, destinado a proteger a cidade dos ataques de seus inimigos. E inimigos e ataques Carcassone teve diversos, durante o passar dos séculos.

Ao lado, imagem feita no portão de acesso principal da cidade, frente à Place du Prado, no portão conhecido com Porte Narbonnaise.

 

Começando pelas tribos gaulesas, e depois romanos e mais tarde passando pelos visigodos, sarracenos, francos, diversos senhores feudais, e os reis da França, muitos povos contribuíram para o crescimento, fortalecimento e história de Carcassone.

A história de Carcassone está também muito ligada ao Catarismo, uma seita cristã politeísta, surgida na região de Languedoc, em fins do século XI. Os adeptos desta religião, conhecidos como Cátaros, tinham sua própria interpretação das leis divinas, muitas delas conflitantes com o que pregava a igreja católica. Além disso acreditavam que os homens não precisavam de intermediários para se dirigir à Deus, portanto não reconheciam a autoridade do Papa ou de seus bispos. Acreditavam também, entre diversas outras coisas, que os todas as pessoas vivas tinham como objetivo evoluir através da expiação de suas faltas, e que levando uma vida dedicada ao bem e progredindo sempre, o que seria atingido através de sucessivas encarnações, um dia teriam direito a chegar ao paraíso.

Isto tudo foi um pouco demais para a igreja católica, que perdeu a paciência, declarou que os moradores de Carcassone eram todos hereges e decidiu dar um basta àquela história toda, convocando os cruzados para invadir a cidadela, acabar com os Cátaros e dar um fim àquela doutrina.

 

Seguindo a ordem Papal, foi organizado um exército de cruzados, que se dirigiram a Carcassone, tomaram e invadiram a cidade. Conta-se que cátaros guardavam, entre seus mais preciosos bens, o cálice que Jesus teria usado na última ceia, conhecido como Santo Graal, e que antes da cidade ser invadida pelos cruzados, alguns Cátaros conseguiram escapar, levando com eles o Santo Graal.

Após invadir Carcassone, os cruzados tinham ordem de impor aos cátaros o catolicismo. No entanto, praticamente todos se recusaram a abandonar sua fé e foram condenados à morte na fogueira. Mesmo assim as idéias religiosas dos cátaros não desapareceram, como pretendiam os cruzados, e muitos de seus conceitos de fé podem ser encontrados atualmente em outras religiões, como aquelas difundidas por Allan Kardec em seus livros espíritas.

 

Conhecendo alguns dos eventos históricos ocorridos em Carcassone torna-se ainda mais emocionante chegar à base de suas muralhas, e é inevitável imaginar este mesmo local há 900 anos atrás, ocupado por cavaleiros armados com espadas e catapultas, tentando escalar as altas muralhas ou transpor o fosso enquanto os defensores lutavam desesperadamente para repelir os invasores, sabendo que suas vidas dependiam disso.

A imagem ao lado mostra um trecho entre as muralhas internas e externas, que fazem o contorno completo da cidade. Este perímetro tem cerca de dois quilômetros e é uma boa sugestão para iniciar sua visita à cidadela. Caminhando por ali não vemos quase movimento, e é uma boa forma de poder sentir o tamanho de Carcassone. Fazendo este contorno encontra-se diversas passagens, rampas, torres de guarda, e se tem uma ótima noção do tamanho e características da cidadela medieval.

 

Depois de circular toda a cidade pelo trecho entre as muralhas, voltamos à sua entrada principal, que é feita por uma ponte levadiça e coberta. Nós fomos para lá na mesma tarde que chegamos, passamos o dia seguinte inteiro percorrendo a cidade,e no terceiro dia ainda voltamos ao local mais uma vez, antes de partir, e mesmo assim não deu para ver tudo.

Entre os pontos mais visitados de Carcassone estão o Portão de Narbonne, a Torre da Justiça, e a Torre da Inquisição. Não deixe de conhecer o castelo, construído no ano 1130. E inclua também em seu roteiro o museu arqueológico, onde estão guardadas relíquias dos séculos 12 e 14. Veja ainda a Basílica de Saint Nazaré (imagem ao lado) e a torre da prisão.

Nem tudo é perfeito, e nossa maior decepção em Carcassone foi, logo ao cruzarmos o portão de entrada, quando ouvimos um bip-bip atrás da gente. Sim, em Carcassone circulam automóveis. Poucos, é verdade, somente aqueles pertencentes à moradores e que atendem ao comércio interno, mas mesmo assim, eles são demais. Poucas coisas são tão incompatíveis quanto automóveis e cidades medievais.

Vídeo: Parte Interna de Carcassone

Depois de atravessar o grande portão de entrada tem-se acesso à parte interna da cidade. A principal via de acesso, que segue rumo à praça central é ladeada por lojinhas destinadas ao turismo. Artesanato, louças, roupas, postais, miniaturas de cavaleiros medievais, símbolos templários, reproduções de espadas, crepes, sorvetes etc. O preço que Carcassone tem que pagar para continuar viva é agradar aos turistas e oferecer o que eles desejam. E turistas Carcassone tem muitos, sempre, à procura de lembranças de todo o tipo.

Além de lembranças, turistas sempre querem comer. E neste ponto Carcassone também está bem servida. Principalmente em torno da pracinha central (imagem ao lado), existem diversos restaurantes com mesas ao ar livre. Na verdade Carcassone tem uma estrutura turística muito completa, com livrarias, lojas diversas e até mesmo hotéis, fazendo dela uma cidade praticamente normal, com um visual completamente diferente

 

A parte mais antiga de Carcassone foi construída no século 9, sendo depois aumentada nos séculos XII e XIII. Foi o rei francês Luis IX, da dinastia dos Capetinos e que entraria para a história com o nome de São Luis, que em 1240 teve a idéia de construir uma segunda linha de muralhas em torno de toda a cidade, pois assim eventuais atacantes precisariam romper duas barreiras em vez de apenas uma. A eficiência desta defesa foi tão grande que durante a guerra dos cem anos com a Inglaterra, quando os Ingleses chegaram até o sul da França, eles conseguiram atear fogo à torre mais baixa de Carcassone, mas não conseguiram realizar seu intento principal, que era entrar e dominar a cidadela.

Após tantos séculos suportando combates, guerras, cercos, cavaleiros cruzados Carcassone foi praticamente abandonada. Ela não tinha mais importância militar nem política. A cidade baixa, situada logo do outro lado do rio (também chamada Carcassone), ganhava importância à medida que a cidade medieval (Cité de Carcassone) perdia.

Somente a partir do século XIX começou a surgir a consciência a respeito da importância da preservação dos lugares históricos do país, dentre eles Carcassone. E na cidade, completamente arruinada, tem início as primeiras restaurações, da qual participaram nomes famosos como Prosper Mérimée e Eugène Viollet-le-Duc.

Vídeo: Parte Externa de Carcassone.

Os trabalhos de restauração em Carcassone duram mais de 50 anos, durante os quais são feitas diversas expropriações e removidas habitações temporárias construídas irregularmente. Assentamentos internos e externos são removidos e seus moradores são transferidos para outros locais. Ao mesmo tempo são pesquisados registros históricos diversos, tentando restaurar a cidade de forma a deixá-la o mais próximo possível do esplendor que ela teve durante o século XIII. Enquanto isso, polêmicas são criadas questionando os critérios adotados durante os trabalhos de restauração, particularmente algumas idéias de Eugène Viollet-le-Duc, como os telhados pontiagudos colocados sobre as torres, o que, no entender de alguns historiadores, não eram habituais no século XIII. Mesmo assim, os trabalhos de restauração chegam ao fim com sucesso, e devolvem à Carcassone sua beleza e grandiosidade.

Imagem: Mapa de Carcassone

 

Uma das melhores vistas da cidade é obtida a partir de Pont Vieux, a ponte que transpõe o rio Aude, ligando o lado leste da cidade (onde se situa a cidadela) ao lado oeste (onde se situa a cidade moderna). Existem menos de dez pequenos hotéis situados dentro da cidadela, ideais para quem quer se instalar no coração da cidade. No entorno das muralhas, a poucos metros da cidade, se encontram outros tantos, mais modernos e com melhores instalações. E quem não encontrar acomodações nestas duas áreas tem ainda a opção de escolher entre muitos outros hotéis situados na Ville de Carcassone, situada do outro lado do rio, e a cerca de um quilômetro e meio de caminhada da Cite de Carcassone. Nós nos hospedamos no Ibis Carcassone Est La Cité.

 

 

 

Quando chega a noite Carcassone se transforma, e assume um aspecto ainda mais dramático. Suas ruelas escuras, o calçamento de pedra, rampas e torres que conduzem a lugares desconhecidos, portinhas estreitas, janelas semi iluminadas, arcos, portais, luzes e sombras criam uma atmosfera mágica e são um convite à exploração.

Se você foi para seu hotel antes do anoitecer para descansar um pouco tudo bem, mas não deixe de voltar à cidadela antes do final do dia. E ao chegar novamente aqui procure por uma passagem, siga por uma ruela, desça aquela rampa, explore aquela torre, e quando encontrar aquele pequeno restaurante muito especial e uma mesinha redonda iluminada por uma vela, que parece estar ali esperando por você não hesite. Dê um sorriso, cumprimente o garçom, entre, sente, olhe o menu com calma, escolha qualquer coisa, quem sabe uma taça de vinho para dar aquele clima, e simplesmente curta cada minuto, sabendo que aquele momento ficará em sua memória para sempre.

 

Um dia completo, começando bem cedinho e terminando tarde da noite, é o mínimo que recomendamos para quem quiser curtir este lugar ao máximo. E não esqueça que visitar a cidade por dentro não é suficiente, é importante também circular pelos arredores, junto ao parque situado aos pés da cidade e às margens do rio Eube, de onde se consegue imagens dramáticas da cidade e suas muralhas.

Site oficial de Carcassone

É difícil de acreditar que um lugar com história tão rica tenha permanecido abandonado por mais de cem anos até ser decidido por sua restauração. Sorte de todos nós, que podemos conhecer este verdadeiro monumento histórico e cultural, patrimônio da humanidade. Carcassone está situada no sul da França, entre as cidades de Toulouse e Montpellier e a autoestrada A61 passa bem próximo do acesso à cidade. Qualquer um que esteja fazendo um passeio pelo sul da França deve incluir Carcassone em seu roteiro. E esteja certo que após conhecer este local vai guardar, para o resto da vida, lembranças únicas de um lugar sem igual.


Representação de Cavaleiro Cátaro, habitante de Carcassone durante o século XI